É PRECISO PERDER O MEDO DA VELHICE!

BIA SO

“Ao envelhecer, parei de escutar o que as pessoas dizem. Agora só presto atenção ao que elas fazem”. Andrew Carnegie

Com a proximidade de mais um aniversário meu só tem uma coisa que eu implico um pouco… as fotos! Elas não mostram a minha alma e o que vejo tem sido cruel ultimamente…rsrsrs. Adoro as crônicas de Déa Januzzi… sempre me fazem refletir com humor sobre a vida e me deixam maravilhada… Leiam:

Com licença: preciso urgentemente tirar novas fotos, atuais, e que não escondam os meus 62 anos. A minha última foto que está ilustrando a coluna “Coração da Terra”, da Revista Ecológico, tem mais de seis anos – e nesse tempo muita coisa mudou. Perdi pai, mãe, irmão e amigos fundamentais na minha vida. Saí do emprego de mais de 40 anos, mudei de casa, pelo menos, três vezes, mas a foto no alto da coluna continua a mesma. Olha que escrevi a crônica “Coração de Mãe” num jornal mineiro durante 10 anos – e não é que a foto lá no alto também permaneceu a mesma esses anos todos. Medo de que?

Medo de ser vista como realmente sou? De que os leitores me vejam como realmente estou hoje? Ou faz parte dessa necessidade de ser eternamente jovem? O tempo correu, escorreu e a minha foto no alto da página continuou como a de uma jovem com 20 anos a menos. Os cabelos mudaram, a testa ficou perplexa com tantas perdas importantes que me deram lições de superação. Quer melhor cronômetro do tempo do que ver amigos e familiares indo embora? Quer maior bagagem de rugas do que ser uma órfã adulta? Quer maior dimensão do tempo do que ter um filho de 30 anos? Na verdade, jovem é o filho… é neto…

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Na foto no alto da coluna, você pode ver no meu rosto quantas vezes chorei de dor? Pode enxergar no fundo dos meus olhos quanta luz se apagou? Por que não há mais estrelas no infinito do meu ser? Você pode ver na foto do alto da coluna quantas vezes eu percorri a via-crúcis do viver? Pode ver as ondas que se arrebentaram nas margens do meu ser?

Na foto do alto da coluna, você consegue enxergar uma mulher livre que foi obrigada a partir e a chegar de vários portos da existência, que sobreviveu a naufrágios e tempestades, que fez a revolução das mulheres, que mergulhou nas furiosas ondas dos afetos e desafetos, dos encontros e desencontros? Você pode adivinhar quantos amigos ficaram no caminho? Pode ver uma mulher que amou, namorou, casou, teve filhos, separou? Você pode ver na linda e perfeita foto do alto da página quem é essa pessoa que escreve das profundezas da alma, que tira o limo do coração com palavras?

Ligo a televisão, abro os jornais e revistas deste país e uma inquietação me invade: senhoras apresentadoras e senhores colunistas que exibem imagens e fotos sempre muito mais jovens do que na realidade são. No alto das páginas dos jornais e revistas, os cronistas não têm rugas nem marcas do tempo, apesar de há muito terem passado dos 60. E de o cenário da velhice ter mudado completamente.

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Preciso abrir parênteses: O Brasil está envelhecendo. Até 2025, será o sexto país do mundo com o maior número de pessoas velhas. Hoje mais de 22 milhões de brasileiros estão na faixa dos 60 anos. E a cada ano mais 650 mil pessoas alcançam essa idade. Mas o fato é que ainda há muita desinformação sobre as particularidades do envelhecimento no atual contexto social. A medicina evoluiu, assim como a qualidade de vida, pois hoje é possível chegar aos 60 com saúde, desejos e projetos de vida. Ganhamos 34 anos a mais do que nossos bisavós. Pensem sobre isso: é um período completo que foi adicionado à expectativa de vida. Você já imaginou o que vai fazer nesses outros 34 anos de vida? Nem os governos nem a cultura nem os próprios protagonistas ainda sabem o que fazer ou o que isso significa. Fecho parênteses.

Volto às fotos de jornais e revistas, de colunistas sempre com cara de 20 anos. Em tempos de fotoshop, há sempre um jeito de dar um toque aqui, de levantar uma ruga ali, de espantar uma olheira lá, de refazer e pintar a sobrancelha, de avolumar a boca que já não segura mais o batom. É possível até fazer botox na fotografia. Afinal, o fotoshop pode fazer implantes, cirurgias complicadas, preenchimentos para que os leitores tenham uma imagem do colunista sempre jovem. É proibido envelhecer neste país, mesmo que as curvas demográficas provem o contrário. É um pecado envelhecer e a culpa é sempre de quem chegou aos 60, porque esse assunto não interessa a mais ninguém. É até repulsivo.

É preciso perder o medo da velhice, porque o tempo não pára. É preciso repetir que só não envelhece quem morre antes e que ninguém pode deter o Senhor Relógio. O tempo chega com suas marcas e cicatrizes que se transformam em rugas e se refletem na imagem exterior. Conheço uma mãe que perdeu o filho em acidente de carro. Depois dos rituais, ela se deitou e acordou no dia seguinte com todos os cabelos brancos. A dor tingiu os seus cabelos da noite para o dia. Como esconder o sofrimento, as perdas, as tristezas e decepções atrás de uma foto? Como mascarar a trajetória de vida numa foto que boicota a realidade e o tempo presente?

Com licença: preciso urgentemente encomendar novas fotos, mesmo que hoje, já sem as lentes de contato, eu tenha escolhido óculos bem fashion, lá da Zótika, na Savassi; mesmo que eu ainda apele para alguns implantes para manter a minha qualidade de vida, mesmo que eu continue tomando vinho e celebrando vida. Pois só as fotos não envelhecem.

*Déa Januzzi é jornalista e escritora. Esta crônica foi publicada pela primeira vez no 50emais em março de 2015.

http://www.50emais.com.br/39766-2/

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